Esta semana, por cá, não sei se efeito de algum mercúrio retrógrado (fãs de astrologia confirmem ou desmitam por favor!), os componentes eletrónicos de casa acusaram também eles o cansaço ou o esgotamento - o telemóvel desligou e não voltou a ligar e a Bimby , companheira fiel de tantas horas na cozinha, deixou de fazer a sua magia. Por isso, quando, na quinta feira, houve crianças a exigir atenção ao final da tarde, bananas maduras na fruteira e uma mãe desejosa de pelo menos alguma acalmia, e a sugestão de fazermos um bolo nos pareceu bem, não houve outra forma senão fazê-lo à boa maneira da avó: tudo à mão!
E no mexe e remexe, colher de pau, vara de arames, com força e repetição, cansaço e alguma iritação acumulada à mistura ocorreu-me que, na cozinha, no cozinhar, nessa doce pastelaria, muitas vezes, talvez por muitos séculos, a raiva, a fúria, a ira ( sobretudo a feminina) pode tomar forma, pode ser libertada, batida até as claras estarem bem firmes, o creme bem brilhante e o coração aliviado. Para mim , foi terapêutico e livrou os pequenos de alguns gritos azedos ao final do dia, de certeza. Porque me parece - e sei que não é politicamente correto isto que vou dizer - que, pelo menos para nós comuns humanos, não há saída para a raiva , a ira, a irritação, frustração que não seja alguma agressividade, algum "explodir" qb violento - em doses pequenas, em episódios regulares. Pode não ser bonito de se ver, mas será saudável de se praticar . Porque a alternativa é nunca perder a compostura , conhecer apenas um acesso permanente ao politicamente correto, estar a ferver por dentro mas nunca deixar estalar o verniz- quem nunca explode, mais dia menos dia,vai implodir. Outra opção é a explosão muito tardia, muito mais nociva, violenta, marcante. E outra opção é a anestesia - fumar, beber, jogar compulsivamente, por exemplo serão formas de "deixar de sentir" e por isso deixar de nos olharmos com plenitude e autenticidade , calar o que o nosso corpo e emoções nos dizem e não mudar nada. Acredito que todos temos uma mistura única destas várias formas de lidar com a dor e outras emoções duras e sobretudo socialmente muito pouco aceites ( e sobretudo no sexo feminino) e que a maioria desses padrões é "herdado". Cabe-nos a cada um, adultos que somos, com consciência e maturidade, com honestidade e auto-conhecimento, escolher as formas mais saudáveis possíveis para "descarregar" estas emoções fortes, discernir os limites que nunca queremos passar , escutarmos o coração que nos comunica a toda a hora o que não está certo: trabalho a mais, entusiasmo a menos, cansaço, monotonia demais, mudanças em excesso, solidão, necessidade de estar sozinho , sentimentos de injustiça, pessoas com uma energia que nos sufoca, o que seja - precisamos de parar e perceber o que é, deixar sair uma asneira ou bater uma porta, ir correr sem destino, ou entrar num banho de imersão sem horas para sair. Ir arrancar ervas daninhas para o quintal ou dançar a noite toda. Bem sei, às vezes é mesmo um berro e umas palavras mais duras, às vezes descarregamos em quem está mais perto ou é mais indefeso ou ainda em quem nos é mais seguro- na verdade deixamos estalar o verniz e isso tem de acontecer de vez em quando. Possamos refletir em fazê-lo de uma forma menos nociva para os outros, de uma próxima vez. Ir para a cozinha, partir ovos sem cerimónia , bater as claras até que o braço doa ou estender massa com toda a nossa força, parece-me uma opção muito chegada ao que Gandhi, esse ser humano não tão comum, defendia - transmutar a violência em paz, usar a nossa ira para o bem. Haverá forma mais deliciosa de o fazer do que na cozinha:, onde a raiva se bate e transforma , numa forma de cuidado e Amor? ❥ s
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